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terça-feira, 3 de junho de 2014

Lula: "No segundo mandato a Dilma terá de fazer coisas novas"

Da Carta Capital

Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos, Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava à multidão reunida no gramado da Vila Euclides no fim dos anos 70. E nos momentos em que sustenta algo capaz de empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica o pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse transmitir-lhe fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta longa entrevista que o ex-presidente Lula deu a CartaCapital. No caso de Mino, esta foi mais uma das inúmeras, a começar pela primeira, em janeiro de 1978.

CartaCapital: O senhor enxerga alguma relação entre a Copa do Mundo e a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?

Lula: Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa ter qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele candidato. Por outro lado, se o Brasil perder, acho que teremos um desastre similar àquele de 1950. Temo uma frustração tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico para o povo. Em 50 jogaram o fracasso nas costas do goleiro Barbosa.

CC: Em primeiro lugar do Bigode.

Lula: O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e morreu muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou o Brasil. É uma vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha, a campanha passa a debater o futuro do País e o futebol vai ficar para especialistas como eu.

CC: E as chamadas manifestações?

Lula: Ainda há pouco tempo a gente não esperava que pudessem acontecer manifestações. E elas aconteceram sem qualquer radicalização inicial, porque as pessoas reivindicavam saúde padrão Fifa, educação padrão Fifa, poderiam ter reivindicado saúde padrão Interlagos, quando há corrida, ou padrão de tênis, Wimbledon, na hora do tênis. Eu acho que isso é até saudável, o povo elevou seu padrão reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro do processo de consolidação democrático que vive o Brasil. Eu acho que, ao realizar a Copa, o governo assumiu o compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos brasileiros e dos torcedores estrangeiros. Quem quiser fazer passeata que faça, quem quiser levantar faixa, que levante, mas é importante saber que, assim como alguém tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o ingresso e quer ir ver a Copa tenha a garantia de assistir aos jogos em perfeita paz.

CC: O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o resultado da Copa será bem menos importante do que foi em 1950. Mesmo que a Seleção perca, não haverá tragédia. Deste ponto de vista. Efeitos sobre as eleições podem ocorrer em função das chamadas manifestações.

Lula: Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os governos estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a ordem. Com isso podemos ficar tranquilos, é questão de honra para o governo brasileiro. O que está em jogo é também a imagem do Brasil no exterior. De qualquer maneira, acho que não vai ter violência, e, se houver será tão marginal a ponto de ser punida pela própria sociedade. Agora se um sindicato quer fazer uma faixa “abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito. Eu me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo, quando começou a se aventar a possibilidade de uma lei contra os mascarados: “Olha, gente, nem brincar com lei contra mascarados porque a primeira coisa que iremos prejudicar vai ser o Carnaval, não os mascarados”. A Constituição e o Código Penal definem claramente o que é ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem mecanismos para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses dias tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha de metrô até os estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil pessoas, mais de duas vezes as assistências atuais. É verdade, havia menos carros nas ruas, infinitamente menos carros, mas também não havia metrô.

CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?

Lula: Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil dizendo que vão entrar 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos. O problema não é econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir, no maior evento de futebol do mundo, mostrar a cara do Brasil do jeito que ele é. O encontro de civilizações, o resultado dessa miscigenação extraordinária entre europeus, negros e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio que temos para mostrar? A nossa gente.

CC: Em que medida essas manifestações nascem do fato de que houve uma ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de vida reivindicam mais saúde, mais educação.

Lula: Eu acho que não há apenas uma explicação para o que está acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo, para que entenda o momento histórico. O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo. Agora, se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos passos adiante foram dados.

CC: O governo não soube se comunicar?

Lula: Eu acho. Eu de vez em quando gosto de falar de problema histórico, para a gente entender o que de fato aconteceu neste país. Já disse e repito: Cristóvão Colombo chegou em Santo Domingo, em 1492, e em 1507 ali surgia a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624. O Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas a primeira universidade somente em 1930. Então você compreende o nosso atraso. Qual é nosso orgulho? Primeiro, em 100 anos, o Brasil conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em universidades. Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes, ou seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na universidade do que foi conseguido em um século. Escolas técnicas. De 1909 até 2002, foram inauguradas 140. Em 12 anos, nós inauguramos 365. Ou seja, duas vezes e meia o número alcançado em um século. E daí você consegue imaginar o que significa o Reuni ao elevar o número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que significa o Ciência Sem Fronteiras, o Fies: 18 universidades federais novas. Pergunta o que o Fernando Henrique Cardoso fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará à conclusão de que foi preciso um sem diploma na Presidência da República para colocar a educação como prioridade neste País. Nós triplicamos o Orçamento da União para a educação. É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco que a Dilma criou o Ciência Sem Fronteira para levar 65 mil jovens a estudar no exterior. É tão pouco que ela criou o Pronatec, que já tem 6 milhões de jovens se preparando para exercer uma profissão. Isso tudo estimula essa juventude a querer mais. Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente se sente na obrigação de fazer. Quem comia acém passou a comer contrafilé e agora quer filé. E é bom que seja assim, é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu sempre fui contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto mais o povo for exigente e reivindicar, forçará o governo a fazer mais.

O que é ruim? A hipocrisia. Nós temos um setor médio da sociedade, que ficou esmagado entre as conquistas sociais da parte mais pobre da população e os ricos, que ganharam dinheiro também. A classe média, em vários setores, proporcionalmente ganhou menos. Toda vez que um pobre ascende um degrau, quem está dez degraus acima acha que perdeu algumas coisas. A Marilena Chauí tem uma tese que eu acho correta: um setor da classe média brasileira que às vezes também é progressista, do ponto de vista social, mas não aprendeu a socializar os espaços públicos e então fica incomodado.

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