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domingo, 11 de setembro de 2011

Minhas lembranças do 11 de setembro


Por Emir Sader na Carta Maior.



Não era a primeira vez que eu despertava com o ruídos dos aviões sobrevoando a região. Dois meses e meio antes, no final de junho, tinha vivido essa circunstância angustiante. Tinha descido correndo até o Palácio da Moeda, que ficava a duas quadras do prédio de apartamento central onde eu morava.

A imagem era a que voltaria a presenciar poucas semanas depois: tropas cercando o palácio presidencial. Setores das FFAA mais radicalizados forçavam o resto das instituições militares a acelerar o golpe em preparação. Mas as condições não estavam dadas, a tal ponto que o Comandante-em-chefe das FFAA ainda era leal a Allende – Carlos Prats, que percorreu todos os quarteis rebelados e, com argumentos e força moral, conseguiu a rendição dos golpistas.

Nessa noite, com a Praca da Constituição, em frente ao Palácio da Moneda, mais lotada do que nunca, Allende optou por consagrar as autoridades militares vigentes, não apenas, com justiça, a Prats, mas aos comandantes das outras armas, suspeitos de estar nas articulações golpistas. Estes seguiram seus planos, conseguiram tirar Prats e substituí-lo por Pinochet que passou, agora de dentro do governo mesmo, a articular o golpe.


No dia 4 de setembro, aniversário da vitória eleitoral de Allende, três anos antes, a maior multidão que o Chile tinha conhecido saiu às ruas para expressar seu apoio ao governo. Mas nada brecou as articulações golpistas. Quando Allende se preparava, dia 11 à noite, para fazer um pronunciamento ao país em rede de radio e televisão, os militares golpistas, alertados por Pinochet, anteciparam o golpe, aproveitando-se também das manobras militares de um porta-aviões norteamericano, no porto de Valparaíso.

Assim, poucas semanas depois, voltei a ser acordado pelo zumbido dos aviões sobrevoando. Desta vez não havia dúvidas que era uma nova tentativa de golpe, desta vez a definitiva. Desci da mesma maneira e fui à Praça da Constituição. Desta vez o Palácio da Moeda estava cercado por um contingente claramente maior de tropas.

Santiago já estava sendo ocupada, Valparaíso era a sede do movimento golpista, que tomava as rádios e TVs e Pinochet anunciava o ultimato a Allende, com prazo do meio dia, hora em que o Palácio da Moeda seria bombardeado. Paralelamente mandaram a Allende a proposta de que ele abandonasse o Palácio, com seus parentes, para ser enviado por helicóptero ao exterior. Ressoou por toda a Cordilheira o palavrão com que Allende rechaçou a oferta dos golpistas.

Allende se dirigiu pela última vez ao povo na rádio da central sindical, seu famoso discurso em que nanuncia que “mais cedo do que se imagina as grandes alamedas da democracia se reabrirão no Chile”. E seguiu resistindo, a partir da janelinha mais alta do Palácio, de onde se dirigia ao povo, com o capacete que os mineiros tinham dado a ele a o fuzil soviético AK-47 que Fidel tinha lhe presentado. Allende, um pacifista por excelência, empunhava armas para defender a democracia e o mandato que o povo lhe havia concedido.

O prazo foi adiado um pouco, mas finalmente os caças bombardeiros ingleses despejaram todo seu poder de fogo sobre o palácio presidencial, símbolo da extraordinária continuidade democrática chilena, só rompida, até ali, em dois breves momentos, desde 1830. A imagem que se reproduz sempre é significativa do que se vivia naquele momento: um presidente legitimamente eleito pelo povo chileno, cercado pelos militares golpistas, bombardeado, como resultado de um complô que tinha se iniciado assim que Allende ganhou as eleições, antes mesmo que tomasse posse.

Em reunião no Salão Oval da Casa Branca, Agustin Edwards, proprietário do jornal El Mercurio, se reuniu com Nixon e com Kissinger, começando a planejar o golpe. Kissinger afirmou que era preciso “salvar o povo chileno das suas loucuras”. Essa articulação desembocou no golpe, na destruição da ditadura chilena e na instauração do regime mais feroz que o Chile conheceu.

Allende preferiu o suicídio a abandonar o Palácio vivo. Neruda morre poucos dias depois de 11 de setembro. Victor Jara teve seus pulsos amputados e morreu no então Estadio Chile, rebatizado no fim da ditadura como Estadio Victor Jara. Milhares de pessoas foram presas, torturadas, assassinadas, desaparecidas, exiladas. A democracia chilena foi destruída, com ela o Parlamento, a Justica, os sindicatos, os partidos políticos, a imprensa democrática.

Tudo começou naquele 11 de setembro. Fui detido, junto com outros brasileiros, numa delegacia de polícia, assim que o toque de recolher foi suspenso e pudemos sair à rua. O Estádio Chile estava superlotado, não sabiam o que fazer com tanta gente esperando nas delegacias. Antes que voltasse o toque de recolher, liberaram uma parte dos presos, com o que pudemos ser liberados. Há 38 anos. O Chile começava a viver apenas o início do inferno de terror da ditadura pinochetista. 

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